segunda-feira, junho 20, 2016

Esportes: uma ideologia (ou A busca pelo equilíbrio)



"Não espere nada do centro
se a periferia está morta"
Fred 04

Quando comecei a rascunhar este post ontem dei o título provisório "Futebol: uma ideologia". Queria me ater apenas ao futebol, pela fase que vivemos, de Brasileirão, Copa América Centenário, Eurocopa. Mas eis que na virada da noite chega o fato novo: os Cleveland Cavaliers, os Cavs, são campeões da NBA e, sob o comando de LeBron "King" James levam para Ohio o primeiro título nacional de uma das grandes ligas do esporte americano.

Eu nunca havia prestado atenção, mas Cleveland, como o próprio James mencionou em uma de suas entrevistas após a vitória sobre os Golden State Warriors (da Califórnia), é uma cidade do Nordeste de Ohio. O próprio Ohio fica ali na Região dos Grandes Lagos, no Meio-Oeste americano, região que não raro é citada em diálogos nos filmes como se fosse o fim do mundo, colado com o Estado da Pensilvânia, este já no Nordeste americano.

Uma vitória de tal calibre, da forma como ocorreu, em sete partidas, a última empatada até quase o final, traz a tão sonhada redenção para James - que havia deixado seu Ohio natal, após seis temporadas no Cleveland, para faturar dois títulos da NBA com o Miami Heat (2011/2012 e 2012/2013) e retornado em 2014 perdendo a final do ano passado para os mesmos Warriors. E realiza um sonho para Cleveland e para Ohio. O título dos Cavs coroa uma reflexão que venho tendo há tempos e que ficou mais acentuada este último fim de semana.

De volta ao futebol, no início deste mês eu twittei que se o Brasileirão acabasse no dia 8, Santa Cruz, Vitória-BA, Sport, Bahia e Náutico estariam na Série A. "Bora equilibrar essa bagaça!", convoquei. Hoje, 12 dias depois, teríamos Santa Cruz, Vitória-BA, Atlético-GO, CRB e Náutico. Em 2015 só tínhamos Sport e Goiás (que foi rebaixado) entre equipes fora das Regiões Sul e Sudeste. Ainda é muito pouco, se observarmos que o único clube da Região Norte capaz de brigar por uma vaga na Série A de 2017 é o Paysandu, o Papão, apenas décimo-quarto colocado na Série B atualmente.

No que diz respeito à supremacia dos times tradicionais brasileiros, os mais fortes, mais ricos ou com maior poder de barganha, nada mudou nos últimos anos. Porém, não apenas o futebol, mas o esporte, em sua natureza, parece querer brigar por um maior equilíbrio.

Veja o caso do Atlético de Madrid, por exemplo, que consegue ser competitivo em torneios espanhóis e europeus encarando clubes como Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique e Paris Saint-Germain com suas respectivas estrelas milionárias.

Na atual Eurocopa, vimos seleções como a da Albânia fazer seu primeiro gol na história da competição e bater a Romênia; País de Gales se impor frente à Inglaterra, mesmo perdendo no finalzinho; a Polônia segurar bravamente um zero a zero com a poderosa Alemanha (aquela, que deu de 7 a 1 no Brasil na Copa do Mundo de 2014). E a Islândia? Empate de 1 a 1 com Portugal e com a Hungria. Empates com sabor de goleada.


Na atual Copa América Centenário, a mesma tendência. Brasil e Uruguai foram eliminados melancolicamente na fase de grupos; a Venezuela botou quente e avançou, assim como o Peru (ambos agora já fora). E o Chile, que teve seu dia germânico e deu uma saraivada de 7 a 0 para cima do México, pode vir a disputar seu segundo título seguido na competição.

A Ásia parece ser a bola da vez. Depois do Japão, especialmente a China (aí, acredito, com mais intenções econômicas) tentar ganhar mais espaço no cenário do futebol mundial. Além de investir pesado em jogadores veteranos com salários milionários, eu soube ontem que está comprando centros de treinamento no Brasil para formar jogadores em bases locais para levá-los ainda imberbes, como faz o Barcelona há muito anos.

O esporte no mundo, o futebol mais notadamente, caminha para reverter diferenças técnicas. Se houve muitas mudanças nas últimas décadas, os próximos anos prometem trazer modificações mais rápidas e mais profundas. Tudo isso aponta para novas tendências sociais, culturais, econômicas e políticas. Os próximos Jogos Olímpicos serão outra boa oportunidade para observamos se essas transformações também tendem a ocorrer em outras modalidades. Aguardemos.

Em tempo: A vitória na garra do Sport ontem sobre o Fluminense e o fato de eu haver assistido na última semana, finalmente, ao filme Febre de Bola (Fever Pitch, UK, 1986), que narra uma vitória histórica do time do Arsenal da Inglaterra, também colaboraram com esta reflexão.

terça-feira, junho 07, 2016

Dica: Upgrade nas "revistinhas"



Noite dessas peguei o violão pra desenferrujar um pouco e me debrucei sobre as "revistinhas" de cifras e acordes pra desanuviar a mente. Nessas horas o mais difícil é parar. Foi quando, lá pelas tantas, apanhei um livro que é uma espécie de upgrade nessas tais "revistinhas": Aquarela Brasileira: Vol. 1, de Beth Cançado.

Para quem não conhece, a publicação, da Editora Corte, traz "letras de 310 músicas populares brasileiras e internacionais cifradas para violão". O adendo internacional é caracterizado por canções que têm alguma relação com o repertório do música brasileira.

Aquarela Brasileira tem como principal mérito fazer um resumo dos highlights da MPB colocando-o disponível para quem já o conhece e, como eu, diverte-se até sozinho "filando" uma "musiquinhas" ao violão. E é ainda didático para pessoas das novas gerações que se interessem por música de boa qualidade.

Outro detalhe que chama a atenção é que no rodapé de cada tema cifrado há o estilo da canção, os compositores e a editora em que estão registrados os direitos autorais. É um trabalho que valoriza o compositor. Não há, por exemplo, o(s) intertérprete(s) mais famosos.

Esse primeiro volume, com mais de 400 páginas, editado pela primeira vez em 1994, traz temas que ficaram famosos com Chico Buarque, Cartola, Gonzaguinha, Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, João Gilberto, Milton Nascimento, Cauby Peixoto, Roberto Carlos, Elis Regina, Paulinho da Viola, Wando, João Bosco, Zé Kéti e Adoniran Barbosa, entre muitos outros. A maioria traz acordes simplificados, nada rebuscados.

Aí, cá estou eu pensando em escrever algumas linhas sobre a publicação, quando procuro uma foto para publicar e busco saber quantos volumes já saíram. Segundo o site da editora, já são oito livros. Dá para fazer uma brincadeira, não dá? Assim que eu puder vou completar minha coleção.

É uma ótima oportunidade também para quem ficou órfão das "revistinhas" de bancas de jornal. Há quem diga: "Mas tem tudo na internet". É verdade. Mas esses títulos são a garantia de um material já impresso, com encadernação em capa dura, e de ótima qualidade tanto no aspecto físico quanto de conteúdo.

Confira o site da coleção e a lista completa das canções dos oito volumes. E divirta-se!

segunda-feira, junho 06, 2016

Profissionais precisam de respeito e oportunidade


Na transmissão do jogo # 2 das Finais da NBA, temporada 2015-2016, muito se falou de como a equipe do Golden State Warriors abrigou jogadores complicados ou em situação difícil, para muitos rotulados como losers, e como este jogadores hoje ajudam e formar um time campeão. Um case para usar como reflexão.

Antes de tudo, um parêntese. Em meio a isso, lembrei-me do time do Sport Club do Recife, sobretudo o da temporada 2016, montado por Eduardo Baptista. Sem grana para grandes contratações, Eduardo formou uma equipe com o refugo de grandes equipes. Assim aportaram no Leão da Ilha jogadores como Marlone (ex-Vasco da Gama, Cruzeiro e Fluminense), André (ex-Santos, Dínamo de Kiev, Atlético-MG e Vasco) e Diego Souza (ex-seleção brasileira - principal, sub-23, sub-20 e sub-17 -, Fluminense, Benfica, Flamengo, Grêmio, Atlético-MG, Vasco e Cruzeiro, entre outros), os dois últimos tidos como problemáticos por onde passaram. O que vimos foi um time forte, sexto colocado no Brasileirão 2015 e com André em terceiro lugar na artilharia do campeonato.

O Golden State, guardada as devidas proporções, segue uma linha semelhante. Espécie de ONG, abrigo ou reformatório da NBA, formou um time apostando em um aspirante a grande ídolo da NBA, Stephen Curry, mas como muito refugo da liga, inclusive veteranos. Coloque aí na lista: Draymond Green, 35ª escolha no draft de 2012; e Shaun Livinston, atleta que já havia passado pelas equipes dos Los Angeles Clippers, Miami Heat, Tulsa 66ers, Oklahoma City Thunder, Charlotte Bobcats, Milwaukee Bucks, Washington Wizards, Cleveland Cavaliers e Brooklyn Nets. E, para nós brasileiros, duas particularidades: Leandro Barbosa, o Leandrinho (ex-Palmeiras, Bauru, Phoenix Suns, Toronto Raptors, Flamengo, Indiana Pacers, Boston Celtics e Pinheiros), e Anderson Varejão (ex-Franca, Barcelona e Cleveland Cavaliers).

O caso de Varejão é bem interessante. Na NBA, jogou pelos Cavs de 2004 a 2016, mas nunca ganhou um título. Nas finais de 2014-2015, estava se recuperando de lesão. Acabou sendo preterido pelos Cavs e envolvido numa troca entre os Cavaliers, Orlando Magic e Portland Trail Blazers, sendo adquirido por Portland e dispensado no mesmo dia, e, três dias depois, sendo contratado pelos Warriors.

Todos os jogadores de Golden State têm importância nessa fase vitoriosa da equipe. Entre os supracitados, Draymond Green virou ídolo e tem surpreendido com sua versatilidade e eficácia. Shaun Livinston idem no quesito resultados. Leandrinho e Varejão, quando acionados do banco, têm entrado e contribuído substancialmente no resultado. Leandrinho, que já foi campeão na temporada passada, entrou nos dois primeiros jogais das Finais 2015-2016 marcando 11 e 10 pontos, respectivamente, e errando apenas um arremesso de 3 pontos. Foi aplaudido de pé quando deixou a quadra no último domingo, quando os Warriors colocaram 2 a 0 sobre os Cavs na série final desta temporada.

Assim Golden State vai fazendo história na NBA na contramão daquelas instituições que não respeitam os profissionais mais experientes e não são capazes de dar uma nova chance para os ditos complicados, mas que ainda demonstram talento. E qual seria a fórmula do sucesso? Em parte, a iniciativa, de estender a mão, de dar a oportunidade. Mas, sobretudo, o pensamento e o trabalho que vem de cima, de uma gestão que sabe se reinventar rompendo os preconceitos. Que sirva de exemplo.


quinta-feira, junho 02, 2016

Kevin Durant, Russell Westbook, Diego Souza e Edmilson



Já disse aqui que acompanho esportes desde criancinha, pratiquei algumas modalidades. Nesse quesito, modéstia à parte, considero-me leigo premium. E devo ser mesmo, leigo. Nunca entendi, por exemplo, no basquete, por que um time não joga com a faca nos dentes na defesa, ou por que um jogador prefere forçar uma cesta de três e cometer um erro em vez de garantir dois pontinhos mais tranquilos.

No futebol, mais recentemente, assistindo aos jogos do Sport Club do Recife, eu percebia que as jogadas mais criativas, que resultavam em perigo de gol, eram as que o time inteiro servia para Diego Souza. Mas eram poucas. Na maior parte do tempo, os demais jogadores insistiam nas tais jogadas forçadas que culminam no erro.

Indignado, estava eu pronto para escrever sobre isso dias atrás quando, na quarta rodada do
Brasileirão, o Leão enfrenta o Corinthians, na Ilha do Retiro, num domingo de manhã, escalando o criticado Edmilson no ataque. E logo em sua estreia, o jogador baiano, que passou pelo futebol paulista e japonês, entre outros, mostra a que veio: bola servida por Diego Souza e chute na trave. No jogo seguinte, contra o arquirrival (e celebrado) Santa Cruz, mais uma assistência de Diego para Edmilson que culmina no único gol da partida, na quebra de jejum de vitórias do rubro-negro e na consagração de Edmilson.


Imediatamente lembrei-me da dupla Russell Westbook e Kevin Durant, do aguerrido Oklahoma City Thunder, do basquete da NBA. Se você tem dois jogadores talentosos e com potencial para definir em seu time, jogue pros caras. Não tem outra, man. O Sport, como um todo, tem que ter essa consciência. E a consciência de que esporte coletivo não se vence sozinho e nem com fórmulas milagrosas.


Recife, 2 de junho de 2016

Das pequenas felicidades da vida - eu, Roger e Pete



Esta noite eu sonhei que estava deitado na rede, de costas para a tevê, quando ouço alguém tocando uma música do The Who (Substitute, talvez). Acho a voz muito parecida com a de Roger Daltrey e a guitarra semelhante à de Pete Towhshend. Ao me virar, constato que são eles mesmos, tocando no Classic Hall, em Olinda. Levanto-me, pego o carro e saio correndo a ponto de ainda pegar o show. Corte.

Depois, coisas que só os sonhos proporcionam (o cinema, tenho certeza, mais do que na fotografia ou no teatro, inspirou-se nos sonhos), vejo-me em algum barzinho no Sítio Histórico de Olinda, onde Roger e Pete fazem uma jam session. O baterista é João Eduardo, da Má Companhia (e que já tocou comigo na Lady Murphy). João toca com seu jeito peculiar, concentrado, olhos fechados, com a cabeça meio virada pro lado, batendo forte, mas com técnica.

Após a jam, vou falar com Pete. Tento expressar minha emoção de vê-los ali, meu inglês insiste em não querer ser pronunciado. Mas Pete me tranquiliza, diz que entendeu, aperta minha mão. Roger fica na dele, lá no canto, arruma algumas coisas. Acordo.

Só então percebo o quanto esse show marcado para outubro, em Coachella (EUA), o chamado Festival do Século, que vai reunir The Rolling Stones, Bob Dylan, Paul McCartney, Neil Young, Roger Waters e The Who (e que pode vir ao Brasil em 2017), mexeu com meu imaginário. Mas, mesmo que eu não tenha condições de comparecer a qualquer uma das apresentações, pelo menos o The Who já vi bem de pertinho, falei com os caras. E que vivam os sonhos!

Recife, 2 de junho de 2016

terça-feira, maio 31, 2016

A hora e a vez de André Mussalem

(O texto a seguir eu fiz sob encomenda, para a divulgação do disco de estreia do compositor André Mussalem. Daqueles momentos bacanas em que a gente une trabalho com coisa que gosta. O lançamento acontece esta sexta-feira, dia 3/6/2016, às 20h, no Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura do RioMar Shopping, com entrada franca. Para ouvir algumas faixas, acesse: https://soundcloud.com/mussalem09)

André Mussalem - foto: Beto Figueiroa/Trago Boa Notícia


“A canção não acabou”. Pelo menos em Pernambuco

O primeiro sentimento ao ouvir o trabalho de André Mussalem é o de curiosidade sobre um som que nos parece familiar, mas que ao mesmo tempo tem suas peculiaridades. Ao saber que esse não tão jovem compositor já soma quase três décadas de autoria musical, com mais de cem composições, o sentimento que predomina é o de indignação: como nos privar durante tanto tempo de seu talento? Até que descobrimos os porquês de sua trajetória e concluímos que o melhor da vida só acontece no momento certo. Mais do que uma obra de um autor longevo e intérprete estreante, No Morro da Minha Cabeça, um disco de crítica aos estereótipos do samba que não por acaso surge no marco do centenário desse gênero, é um projeto concebido muito inteligentemente e executado com um esmero quase sem igual.
Aos 40 anos de idade, revelado músico aos 16, André Mussalem desde cedo começou a estudar o processo de formação do povo brasileiro por meio da música. E, há 20 anos, passou a elaborar trabalhos conceituais, a começar com os CDs de demonstração (demos) BossaConfraria de Bamba e Obra Aberta, Carta Fechada: Ilustre Mestre Paulinho (2004), este último um tributo a Paulinho da Viola, uma de suas principais (e nítidas) influências, feito exclusivamente para presentear o próprio homenageado.
Paulinho está ali, naquele bojo riquíssimo da música popular brasileira desde o festival de 1967, sobretudo na produção dos anos 1970, que tanto impressiona André Mussalem, que ainda confessa haver se tornado compositor por causa de Caetano Veloso. E foi devido a uma provocação de um outro pilar da MPB, o também cantor e compositor Chico Buarque, que surgiu No Morro da Minha Cabeça.
No Morro da Minha Cabeça tem como introdução um trecho de uma entrevista de Madame Satã (o pernambucano, de Glória do Goitá, João Francisco dos Santos, 1900-1976) à TV Tupi, na década de 1970, para logo em seguida ouvirmos a faixa de abertura, Meus Irmãos Ouvem Rock, espécie de mea culpa do autor com seus ouvintes. “Estou jogando aberto com o público. Sou um cara de apartamento e a minha formação foi ouvindo disco na vitrola”, afirma o compositor. Diz a canção: “Eu não sou a mulata/ Eu não sou o malandro (...)/ Eu não tenho cuíca/ Eu não frequento o morro (...)/ Eu não sei jogar bola/ Eu não uso navalha (...)/ Meus irmãos ouvem rock (...)/ Mas hei de cantar a dor que nasce da saudade (...)”, declara, com toda sinceridade.
“Vou pro mar/ E se o véu da dor em mim se encantar/ Boto meu All-Star vermelho e vou sambando devagar”, conta a letra de All-Star Vermelho, outro potencial hit que também põe em xeque as convenções tradicionais do ritmo. Em 11 canções, No Morro da Minha Cabeça faz referência a várias escolas (estilos) e épocas desses 100 anos do samba, desde que Donga lançou o marco Pelo Telefone, ao mesmo em que demonstra uma total contemporaneidade, até flertando com a música pop, sem ser pop.
Mesmo sem saber jogar bola, como diz na faixa de abertura, André Mussalem soube reunir um time de craques responsável pela excelência do produto final. A começar pelo violonista de 7 cordas e arranjador Ricardo Freitas, responsável por escalar expoentes da música instrumental pernambucana como o bandolinista Rafael Marques, o cavaquinista João Paulo Albertim, o também 7 cordas Rodrigo Samico, clarinetista José Adilson Bandeira, a flautista Frederica Bourgeois e os percussionistas Tadeu Jr. e João Victor Gonçalves, além das cantoras Kelly Benevides e Chris Nolasco (voz responsável por apresentar pela primeira vez suas composições para o grande público, no CD Pele Negra). O trabalho ainda inclui instrumentistas pouco usuais nas formações de música popular atual, a exemplo do fagotista Marcílio Souza  e a oboísta Maria Santos. Longe de uma roupagem antiga, Mussalem recupera uma sonoridade comum nos tempos de ouro da canção, quando instrumentos de madeira se juntavam no estúdio para dar vida ao que se começava a chamar de samba.
O projeto gráfico acurado, assinado por Guilherme Luigi (autor de trabalhos como De Baque Solto, do conterrâneo Siba) e com fotos que revelam um pouco da intimidade de um autor ao mesmo tímido e eloqüente, segue com o mesmo zelo. André Mussalem revela ainda que todo esse cuidado, da concepção do disco ao produto final, tem como referência e segue o mesmo padrão de qualidade dos trabalhos do intérprete e produtor Gonzaga Leal, cuja discografia completa passou por minhas mãos e, sem dúvida, posso afirmar que é o principal realizador de biscoitos finos da música pernambucana atual.
Ao mesmo tempo em que desconstrói os estereótipos do samba e recupera a tradição rítmica, melódica e harmônica do gênero, No Morro da Minha Cabeça ainda evita desconstruir a canção  indo de encontro a uma forte tendência atual  e mostra o valor que esta ainda exerce na música popular brasileira. Como diz o autor, “um disco para iniciados”. Uma obra para ser saboreada aos poucos, a cada momento descobrindo novas riquezas.

Recife, abril de 2016

sexta-feira, maio 27, 2016

Vertigem

Nem tudo é tristeza, claro.
Mas essa coisa
de a cada hoje
você ter uma notícia
pior do que ontem
é assustadora.
O amanhã mete medo

Recife, 26 de maio de 2016

quinta-feira, maio 26, 2016

O valor de um rival

Não por acaso, resolvi torcer por um time chamado Sport - que na verdade deveria ser conhecido como Recife, já que seu nome é Sport Club do Recife. Minha paixão pelo esporte, com dois "Es", é antiga.

Semprei adorei esportes. No colégio, pratiquei atletismo, depois judô e basquete. Mas jogava tudo: handebol, futebol de salão, futebol de campo, vôlei de quadra, vôlei de areia. Na faculdade, fiz futsal. E sempre nas peladas de futebol, basquete. E nos campeonatos da firma. E acompanhava (e acompanho) a maioria das modalidades pela tevê. Ainda tenho meus álbuns de figurinhas da Copa do Mundo de 1982, da Copa União, da NBA. E minhas revistas das Olimpíadas, de futebol, de automobilismo.

Do basquete da NBA, na qual torço pelo Los Angeles Lakers desde os anos 1980, tive talvez a principal lição: aprender a respeitar os adversários, celebrar os ídolos rivais, sentir prazer de assistir a partidas de times contrários.

Talvez por isso, mesmo rubro-negro pernambucano, tenha tanta admiração pela atual fase do Santa Cruz e seu maior ídolo do momento: o paulista, de Jundiaí, Edinaldo Batista Libânio, Grafite, 37 anos. Dois exemplos de superação.

Se houvesse Série E, ou quinta divisão, certamente o Santinha teria estado lá. Em uma década, saiu da Série A do Campeonato Brasileiro para a Série D e voltou. Em três rodadas, já é o líder isolado do Brasileirão com direito a duas goleadas. Seis gols de Grafite (o artilheiro do ano anterior, Ricardo Oliveira, do Santos, marcou 20 gols em 18 rodadas).

Entre os vários times dos quais vestiu a camisa, Grafite foi campeão paulista, da Libertadores e mundial pelo São Paulo, em 2005. Agora em 2016 foi campeão pernambucano e do Nordeste pelo Santinha. Mas lembro bem da passagem do jogador pelo Wolfsburg, pelo qual foi campeão alemão, em 2009, com 28 gols. Vi algumas partidas. Sempre achei que ele merecia uma chance melhor na seleção brasileira, assim como Rogério Ceni, outro injustiçado.

Justiça, aliás, não costuma andar muito de mãos dadas com o futebol, com o esporte. Em 2015, vale lembrar, os dois únicos clubes brasileiros na Série A fora das Regiões Sul e Sudeste foram Sport e Goiás. Ser negro, veterano e jogador de um time dito periférico e brilhar como brilha Grafite, junto com seu Santinha, exige o máximo de coragem, dedicação e amor.

Reconhecer o valor de Grafite, e do Santa Cruz, é, acima de tudo, um ato político. E de amor ao esporte. Sejamos eu, ele ou você de que time for.

Recife, 26 de maio de 2016

A cultura e os animais

Taí uma fila de pendências: Teatro do Parque, Sistema de Incetivo à Cultura (SIC) do Recife, MISPE, a parte de patrimônio da FUNDARPE, os outros cinemas do interior que nunca saíram do papel, museus que são desfalcados em seus acervos, festivais que deixam de existir, a Fábrica Tacaruna que foi pro brejo. Até novos modelos de gestão, como o Cais do Sertão e o Paço do Frevo, enfrentaram problemas recentemente. Fora o que funciona meia-boca. E por aí vai.

O desaparelhamento cultural no Recife, em Pernambuco, vai sendo gradual e as pessoas mal notam. Quando se dão conta do estrago, no todo, o prejuízo é incalculável. Quantas pessoas não deixaram de se informar, de se capacitar, com esse desaparelhamento - mesmo que em alguns casos temporários?

É preciso que haja uma reivindicação permanente. A cultura em Pernambuco sobrevive à força de artistas, abnegados e público interessado. O resto é figuração.

Tenho duas causas este ano de eleição: quem vai apresentar propostas e projetos a favor da cultura e dos animais. Meu voto vai partir daí.

Recife, 19 de maio de 2016

A manhã em que acordei para um dia intranquilo - parte 2

E digo mais: outro jornalista, crítico, programador, curador e realizador injustiçado chama-se Celso Marconi Lins.

Celso fez um trabalho semelhante ao de KMF, que teve seu auge a partir de 1991, quando assumiu o Museu da Imagem e do Som de Pernambuco (MISPE) e colocou para funcionar o Cine Ribeira, no Centro de Convenções. E o que esse modelo de gestão neoliberal fez? Demitiu Celso, acabou com o Ribeira e desmantelou o MISPE.

Pernambuco é um lugar massa, de cultura forte e marcante, de gente fina e inteligente, mas não se iluda: há muita gente mal-intencionada e sem-vergonha pras bandas de cá também.

Que viva Celso! Que viva Kleber!

Em tempo: após resolver a peleja do MinC, sugiro uma ocupação do prédio do MISPE e a reivindicação de que ele volte a ser o que era. Sua sala de projeção, aliás, tem o nome de Fernando Spencer, outro bravo lutador do audiovisual pernambucano.

Recife, 19 de maio de 2016